A dolorosa recuperação de uma câmara quase falida
O concelho de Portimão é, desde há muito, famoso pelas suas praias e, mais recentemente, pelo brutal endividamento da sua câmara municipal. De acordo com a última edição do Anuário dos Municípios Portugueses, em 31 de Dezembro de 2014 estava em terceiro lugar na lista das mais endividadas. Tendo em conta que as duas primeiras posições eram ocupadas por Lisboa e Vila Nova de Gaia, municípios de dimensão bem superior e com outro nível de receitas, pode dizer-se que, em termos relativos, Portimão é a autarquia mais endividada do país.
Segundo aquele documento, na data referida, Portimão respondia por uma dívida de 155 milhões de euros. Se a esta somarmos o passivo exigível das empresas municipais Urbis (46,8 milhões) e EMARP (17,3 milhões) tínhamos que a autarquia era responsável por uma dívida total de 219,2 milhões de euros. Uma vez que habitam o município cerca de 60 mil pessoas, cada uma delas teria de passar um cheque de 3.600 euros, se a dívida fosse, solidariamente, distribuída por todas.
Esta herança resultou de uma gestão política da equipa liderada pelo antigo presidente, Manuel da Luz, em que o dinheiro parecia sair de um poço sem fundo. Foram construídos equipamentos públicos como um novo mercado municipal, um museu, um teatro e um enorme pavilhão que dá pelo nome de Portimão Arena. Para além disso, o município investiu muitos milhões em promoção a nível nacional e em eventos de grande visibilidade, mas muito caros, como o Grande Prémio de Fórmula 1 de Motonáutica ou o Mundialito de Futebol de Praia, entre muitos outros.
A autarquia foi, igualmente, um dos grandes patrocinadores da equipa de futebol do Portimonense, tendo, inclusivamente, investido milhões na recuperação (quase integral) do seu estádio de futebol, aquando da subida da equipa à 1ª Liga. Financiou o Autódromo do Algarve, as noites do Sacha, em pleno areal da Praia da Rocha, e investiu forte no projecto de construção de uma cidade do cinema.
Empresas municipais ajudaram à ‘festa’
Como as regras do endividamento não permitiam que, oficialmente, financiasse tanta actividade e projectos, foram sendo criadas empresas municipais e parcerias público-privadas,que contraíram empréstimos e compromissos pelos quais, em última instância, de uma forma ou de outra, a câmara se responsabilizou.
Tudo isto criou uma dívida monstruosa que, em determinada altura, atraiu até as atenções da Polícia Judiciária, que deteve, durante algum tempo, o vice-presidente e um vereador.
A bronca surgiu bem perto das últimas autárquicas, mas não impediu que, mais uma vez, o PS – partido que desde sempre dirigiu o concelho – saísse vencedor da contenda eleitoral. A candidata Isilda Gomes fez questão de se demarcar da anterior gestão e, graças a essa estratégia, conseguiu passaporte para a cadeirão presidencial, mas sem maioria absoluta. Nada que a incomodasse particularmente. Integrou na sua equipa o vereador do PSD, Pedro Xavier, e alguns dos eleitos daquele partido na Assembleia Municipal e lá começou a atacar o principal problema que tinha pela frente: enfrentar a enorme dívida.
Trata-se de uma tarefa que vai levar muitos anos e que, no curto prazo, não vai deixar margem de manobra quase nenhuma para pensar em qualquer obra, nem sequer para a autarquia cumprir as suas responsabilidades mais básicas, como a limpeza e a manutenção de espaços públicos. Para além de muito rigor, é preciso grande dose de imaginação, como o demonstra a ideia de procurar levar empresas privadas a substituírem-se à edilidade na responsabilidade de manutenção das rotundas.
Orçamento real é de apenas 45 milhões
Para conseguir sair do sufoco, o que é preciso é aumentar as receitas e diminuir as despesas. No que diz respeito à entrada de mais dinheiro nos cofres, uma das primeiras medidas tomadas foi o lançamento de uma taxa de protecção civil. Não correu especialmente bem, pois motivou um autêntico levantamento popular que fez a autarquia decidir que, este ano, a taxa deixaria de ser cobrada. Quanto à diminuição da receita, uma das opções foi transferir os serviços técnicos das instalações onde funcionavam há muitos anos e que custavam cerca de 300 mil euros anuais e colocá-los no Portimão Arena.
Mas só isto não chega. A câmara precisa, como pão para a boca, que seja rapidamente aprovada a sua candidatura ao Fundo de Apoio Municipal (FAM). Trata-se de um empréstimo de longo prazo, no valor de 133,2 milhões de euros, que vai servir para pagar os muitos empréstimos bancários contraídos e a dívida a fornecedores.
Para se ter uma ideia da situação criada pela dívida acumulada, basta olhar para o Orçamento deste ano, que ascende a 195,7 milhões de euros. Mas, dessa verba, 132,6 milhões são para pagar dívida antiga. Deve ainda deduzir-se 12,2 milhões resultantes de um buraco da empresa municipal Portimão Urbis, a qual, entretanto, foi fechada, passando os seus compromissos e dívidas para a autarquia. E há ainda mais 5,2 milhões que estão de lado, para responder a processos judiciais em curso. Portanto, o orçamento que a câmara tem, efectivamente, à sua disposição é de apenas 45,7 milhões de euros. Tendo em conta que só para fazer face às despesas com o pessoal vão ser precisos 16,1 milhões de euros, a autarquia fica com 29,6 milhões para comprar todos os bens e serviços de que precisa para manter a ‘máquina’ a funcionar e para fazer manutenção básica nos espaços públicos. Não sobra dinheiro para pensar em qualquer tipo de novas obras.
Empréstimo do FAM é plano A. E não há plano B…
Apesar de todo o cenário negativo, a maioria liderada por Isilda Gomes vê sinais positivos que indicam estar a gestão autárquica no bom caminho. Um deles é a redução da dívida, que é este ano inferior em 12,5 milhões de euros do que no ano passado. E isto, pode ler-se no Orçamento, apesar terem sido incluídas as dívidas da Portimão Urbis.
É claro que, como não há milagres, para isso contribuiu, em parte, o aumento de receitas resultantes da colocação dos impostos municipais nas taxas máximas. Essa foi uma das razões invocadas pela CDU para votar contra o orçamento. O Bloco de Esquerda – que, igualmente, votou contra, tal como o da coligação Servir Portimão – mostra-se especialmente preocupado por as receitas previstas para este ano estarem demasiado dependentes do empréstimo do Fundo de Apoio Municipal.
E esse é realmente um grande problema. Respondendo, na Assembleia Municipal, a uma questão colocada pela bancada do Servir Portimão, a presidente da Câmara assumiu que está mesmo a contar com aquele dinheiro e que não há plano B. Portanto, se o empréstimo for aprovado, com maiores ou menores dificuldades, a gestão da autarquia vai-se fazendo. Mas, se de Lisboa não surgir rapidamente luz verde, ninguém sabe como será possível governar esta câmara quase falida.
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