Um paraíso no meio do Atlântico
Apesar de todas as suas atrações e das suas paisagens funcionarem como cartaz a não perder, a ilha de São Miguel, nos Açores, continuava, para nós, a ser um destino adiado e ainda não visitado.
As suas portas começaram-se a abrir quando, nesse oito de Outubro acabado de passar, começámos a aterrar no aeroporto de Ponta Delgada.
Cumpridas as formalidades legais e já com carro na mão, tomámos o primeiro contacto com a cidade que se nos abria ao longo do seu passeio marítimo. O simbolismo das suas portas erguia-se no ar e parecia querer dar-nos as boas vindas. A seguir foi tempo de almoçar e de contactar com as suas ruas empedradas, com o seu casario secular e com a movimentação que o turismo já faz em toda a região.
E neste contacto explorador e em passeio descontraído, começámos a sair e a percorrer povoações em seu redor. E à medida que o caminho se alargava, algumas revelações surgiam do interior de povoações que se iam desfilando ao longo do nosso percurso.
Assim aconteceu com o Pópulo, com o Livramento ou com Vila Franca do Campo. A sua orla costeira sempre a surpreender funcionava como um convite a percorrer aquele pedaço de costa. Assim era com superfícies rochosas que se erguiam do fundo do oceano ou com a Caloura, em Vila Franca do Campo, que nos convidava a entrar e a explorar aquele recanto de mar.
Cozido das Furnas
Já com o dia a cair, regressámos a Ponta Delgada e novamente percorremos, em passeio noturno, as suas ruas sob o efeito da iluminação e admirámos a particularidade dessa visão noturna que brota das portas daquela cidade. A sua marina também fazia questão de nos acenar e de nos convidar a percorrer o seu passeio marítimo. Em alternativa, percorremos os caminhos da restauração para uma refeição mais frugal que nos abrisse uma noite repousante e a preparar o dia seguinte.
E o dia que se seguia era já o de nove de Outubro. Com um destino programado, começámos a percorrer a rota que nos levaria às Furnas. Uma estrada verdejante e florida convidava-nos a apreciar as hortenses que, de um lado e de outro, faziam questão de atrair e de colorir o nosso percurso. E era com esta companhia refrescante e atraente que, de repente, uma lagoa se começa a espraiar e nos convida a parar para, de mais perto, admirar os seus encantos.
Aí, foi tempo de contemplar a quietude e a luminosidade daquela superfície aquática. E, nas suas imediações, as furnas a fumegar e, nas entranhas da terra, a cozinhar o seu tão conceituado cozido. Viam-se pessoas da restauração a escavar aquelas terras fumegantes para retirar caldeirões destinados a abundantes refeições de quem não queria perder semelhante iguaria.
Reserva natural a não perder
Para uma melhor visão de um panorama deslumbrante como aquele, subimos ao Miradouro do Pico do Ferro e ao do Salto do Cavalo. Lá do alto e muito próximos dos céus, era possível admirar essa paisagem deslumbrante de uma lagoa prateada e, num dos seus topos, ladeada dessa fumarada que saía das profundidades da terra.
Para trás, deixámos ainda a Lagoa de São Brás encaixada entre vegetação que se refletia naquele pedaço de água. As Furnas vieram a seguir. Mas já era tempo de almoçar. Procurámos o restaurante Caldeiras e Vulcões para saborear esse cozido que, pouco antes, vimos retirar do interior daquela terra. Mas, para nossa desilusão, só com encomenda poderíamos desfrutar de refeição tão procurada. Outros pratos acabaram por agradar e por dar forças para o resto da tarde. E o cozido adiado para o dia seguinte.
Pela tarde, foi tempo de desbravar e de apreciar os encantos das Furnas. E nada melhor que a Dona Beija com o seu ribeiro a fumegar e com os seus tanques a convidar para se desfrutar daquelas águas quentes e sulfurosas. E o número dos frequentadores daquela espécie de piscinas naturais e das suas quedas de água era bem abundante. O postal ilustrado daquele quadro era surpreendente; como o era o do parque Terra Nostra.
Aqui a vegetação subia no ar com árvores imponentes e diversificadas que se estendiam ao longo de percursos bem tratados e bem delineados. Trata-se de uma reserva natural que a mão do homem conseguiu erguer e que é um dos locais de S. Miguel a não perder. E se a tudo isto juntarmos a sua imensa piscina aquecida por águas barrentas que brotam da natureza, então o convite torna-se uma obrigação.
Lagoa do Congro
Com o dia a cair foi tempo de regressar. Mas pelo caminho, a curiosidade levou-nos a visitar a Lagoa do Congro. Para lá chegar tivemos de percorrer estradas secundárias da ilha. E quando nos estávamos a aproximar, a terra batida e o dia a querer-nos deixar faziam-nos desanimar e interromper aquele percurso. Mas a nossa teimosia e quem regressava faziam-nos seguir enquanto fosse dia.
Chegámos ao início de uma vereda de forte inclinação e coberta for uma abundante vegetação. A luz do dia a desaparecer e, ainda mais debaixo daquela vegetação, criava alguma apreensão. Mas quem ali chegou, não queria perder o que essa lagoa tinha para oferecer. E assim, com o dia a desaparecer, lá chegámos e podemos desfrutar, naquela profundidade, de umas águas verdejantes e rodeada de uma vegetação luxuriante.
Com algum cansaço, foi tempo de regressar e de entrar em Ponta Delgada. Já familiarizados com a cidade, fomos ao encontro dos seus recantos, da sua moldura urbana e de uma refeição apressada. E por entre as ruas do interior e do passeio marítimo, começámos a recolher e a preparar o dia seguinte.
E este a haveria de abrir límpido e cheio de sol. Estava mesmo a convidar para se visitar as Sete Cidades e as suas lagoas. E esta foi a direcção com o sol a dar um colorido ainda maior a esse trajecto florido. Pelo caminho há sempre surpresas; como a da Lagoa das Empadadas. Mas a frequência e os seus acessos faziam questão em nos convidar a continuar.
Foi o que aconteceu com a viagem sempre a seguir até se descobrir a profundidade da Lagoa de Santiago. O seu colorido esverdeado e distante convidava-nos à contemplação duma beleza tão distintiva e estonteante. Mas a surpresa maior viria um pouco mais adiante.
Paisagem de rochas vulcânicas
Estávamos ao cimo do Miradouro do Rei. E em frente, com um sol a incidir e um horizonte transparente, espraiavam-se, lá ao fundo, com toda a sua imponência, as Lagoas das Sete Cidades. Uma, à direita, num tom esverdeado, contrastava com a outra, mais imponente e num tom azulado. Aquele panorama invulgar, em jeito de paraíso natural, convidava-nos à meditação perante a obra da criação que se erguia a nossos pés.
Foi tempo a seguir de descer e, de mais perto, de nos aproximar, de nos abeirar e de sentir essa experiência invulgar. Assim aconteceu ao passear na sua relva e ao tocar nas suas águas. E com esta aproximação aos seus segredos, entrámos no traçado das Sete Cidades e cheirámos o odor que brotava daquela terra.
Com o sabor daquele lugar, continuámos e começámo-nos a afastar até chegar à povoação dos Mosteiros. Ali, defronte do mar, foi tempo de almoçar para, de seguida, visitar a Ferraria. Uma paisagem marítima, com as suas rochas vulcânicas, estendia-se para diante ao longo de um oceano distante.
O caminho de regresso, algo diferente, continuava com o seu ar colorido e com um tratamento cuidado. E como a Lagoa das Empadadas ficara na imaginação, a sua visita, apenas protelada, era agora concretizada. A subida, íngreme e em terra batida, começou a ficar para trás e, de repente, lá no cimo do monte, erguia-se diante de nós uma paisagem deslumbrante. A sua vegetação frondosa e verdejante refletia-se num abundante espelho de água. Percorremos a lagoa em toda a sua extensão e admirámos, nos seus diversos ângulos, o reflexo daquela vegetação luxuriante.
Ribeira Grande, o destino seguinte
Como a tarde ainda estava longe de cair, Ribeira Grande era o próximo destino da nossa visita. Entrámos na cidade e começámos a percorrê-la. Admirámos as suas ruas apertadas bem como o seu casario ancestral. O seu traçado arquitectónico prendeu a nossa atenção e a sua Igreja central foi objecto da nossa admiração. E depois deste contacto com o seu núcleo histórico e mais característico, descemos à marginal e acabámos por parar para, de mais perto, admirar as particularidades daquele mar.
Com o sol já a cair e a dificultar a condução, fizemos questão de entrar em Ribeira de Peixe. Aí, contactámos com uma povoação piscatória onde a pobreza do casario consegue apontar para as dificuldades de uma população que continua a ter por subsistência aquele mar que está por diante e que é, para todos, um desafio constante. A entrada em Ponta Delgada, já com a noite a fazer-se sentir, levou-nos novamente a contactar com os seus encantos noturnos e com esse apetecível passeio ao longo da sua marina.
O 11 de outubro, já bem nublado, fazia anunciar o que o que viria a seguir. Mas a manhã, apesar das nuvens que pairavam no ar, não conseguia retirar os encantos da ilha. E estes continuavam-se a manifestar em cada recanto; e alguns com mais encanto. Foi o que aconteceu quando a Ribeira dos Caldeirões apareceu com as suas quedas de água ao fundo.
Do cimo daqueles penhascos, as águas faziam-se cair e acompanhar pelo seu ruído tão característico. Embrenhámo-nos pelo interior da vegetação à descoberta dos seus segredos e da sua dimensão. Começámos também a descer, a visitar os seus moinhos de água, a partilhar a experiência com outros visitantes e a interiorizarmo-nos por esses circuitos de quedas de água e de outros recantos bem verdejantes.
Ainda houve tempo de aventura e de descoberta de destinos desconhecidos. Foi o que aconteceu com o Pico da Vara, um circuito afastado e muito pouco visitado. Tivemos o assombro de lá subir e de tentar avistar tudo o que oferecia diante dos olhos. A longa subida fazia desanimar e muito mais quando chegamos ao seu ponto cimeiro. Daí em diante, havia que percorrer a pé um terreno meio relvado e muito alagado. Deu para avistar ao longe a Lagoa das Furnas e toda a sua área envolvente. Mas também deu para nos alagar e enterrar naquela espécie de charco.
Caldeira Velha
O tempo que veio a seguir foi para repousar de semelhante refrega e ainda para nos assolarmos ao Miradouro do Sossego. Enquanto repousávamos, admirávamos a negritude das rochas que se estendiam ao fundo daquelas arribas. Mas como o almoço se anunciava, era tempo de tomar o caminho das Furnas para, desta vez, apreciar o tão afamado cozido. Por uma estrada rural e sem grande sinalização, os quilómetros começavam-se a sumir até que, a certa altura, estávamos a subir em demasia.
Sem sinal de GPS ou outro que se parecesse, lá continuámos o nosso percurso. Depois de curvas sucessivas e sempre a subir, pareceu vermos ao longe a lagoa a espraiar com a sua cor a acenar. De então por diante, a estrada a descer, já não parecia assim tão distante.
De repente, as Furnas começaram-nos a receber em jeito de dizer que poderíamos já almoçar. Foi o que aconteceu no restaurante de há dias atrás. Com um cozido retirado das entranhas da terra, começámos a almoçar e a dizer que não ficámos sem cozido na nossa passagem por estas terras a fumegar e a exalar o seu cheiro tão característico. E quando olhámos para o exterior, começámos a verificar que uma chuva miudinha nos iria acompanhar ao longo de toda a jornada.
Foi o que aconteceu no nosso trajecto restante. Por diante ainda tínhamos a Caldeira Velha a visitar e a percorrer os seus encantos. Tomámos a sua direcção com uma chuva constante. Parecia abrandar quando a Caldeira Velha se preparava para nos receber. Embora com o tempo molhado, pudemos percorrer o seu traçado sinuoso, apreciar o borbulhar da água quente a sair das entranhas da terra, contactar com quem se banhava nos seus tanques naturais, cheirar as suas águas a fumegar e a contrastar com uma chuva refrescante e sentir em nosso redor toda uma vegetação exuberante.
E com a chuva, pelo interior daquelas árvores a cair e com a água do interior da terra em ebulição, deixámos aquele recanto natural e, pela montanha fora, fomos ao encontro de outro espaço de cariz especial; o da Lagoa do Fogo.
Pela montanha fora e num percurso sinuoso, a chuva teimava em cair e algum nevoeiro fazia questão em nos acompanhar. E com a viagem dificultada por estas condições atmosféricas, a Lagoa do Fogo haver-se-ia de atingir e nós de conseguir admirar a sua profundidade por entre alguma nublosidade.
Vontade de voltar
Ainda houve a tentação de descer. Mas o tempo dificultava e praticamente não nos deixava. Ficou essa imagem um pouco distante de uma lagoa nas profundidades do cimo daquela montanha a dar a visão de um grande vulcão que, em outras eras, atingiu paragens como aquelas.
Já com a luminosidade a querer-nos deixar, fizemos questão de regressar. O apetite do Salto do Cabrito não foi suficiente para se parar e, por entre terra batida, vencer a chuva que continuava a cair e alguma lama que se fazia sentir.
E à medida que a viagem de regresso nos fazia aproximar mais a chuva fazia questão de engrossar. Ao ponto de já em Ponta Delgada cair com alguma intensidade e de alagar os corredores de toda a cidade. E desse alagamento nem nós conseguimos escapar.
Em 12 de Outubro, entrámos já em reta descendente e em fase de preparação para apanhar o avião. Lisboa já esperava por nós. Visitámos ainda o Mercado da Graça, entramos em algumas Igrejas, percorremos os principais corredores do museu da cidade, almoçamos e partimos já com alguma saudade.
Para trás deixámos uma ilha que ficou na recordação e a exigir que, um dia, de novo se vá visitar para a continuar a explorar. E tudo isto porque S. Miguel, pelas suas belezas naturais e pela mão do homem que a soube trabalhar, é um paraíso natural que acaba por estabelecer uma relação sentimental com todos os que a visitam.
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