Opinião

As consequências do derrube da chaminé do Algarve Exportador

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O Algarve Exportador foi, seguramente, uma das maiores fábricas conserveiras de Lagos. Ao longo de muitos anos, pelo seu interior passaram sucessivas gerações que aí labutavam e, com o seu trabalho diário, levavam bem longe o nome de Lagos.

A sua dinâmica empresarial ultrapassou o território de Lagos e começou a mostrar-se numa outra unidade fabril, onde a pesca abundava e a ligação ao mundo abria novas portas e bastantes horizontes. Foi o que aconteceu com a fábrica conserveira do Algarve Exportador na vasta área de Matosinhos. Também ali, defronte do mar, a pesca alimentava e dava vida ao interior do Algarve Exportador. 

Durante os vários turnos do dia, as filas de operárias e de operários iam dando vida aos caminhos que cruzavam e às ruas que palmilhavam. No seu interior, a vida palpitava com uma azáfama em constante preparação do peixe que alimentava os circuitos da comercialização nacional e além fronteiras. Através do Algarve Exportador, o nome de Lagos chegava a espaços distantes e a horizontes bem longínquos. E, para levar bem longe o nome da nossa cidade, contribuía esse saber de tantas operárias e operários que aí labutavam e davam o melhor de suas vidas.

Como símbolo dessa unidade conserveira estavam as chaminés que subiam no ar a anunciar a vida que aí se vivia e, com os anos, se consumia no seu interior. Mesmo à distância, a sua chaminé maior erguia-se no ar e, altaneira, não se cansava de anunciar toda a laboração que se processava naquele interior do Algarve Exportador.

Aí pelos anos sessenta, a crise que as pescas começaram a atravessar ditaram algumas quebras na laboração e os seus efeitos fizeram-se sentir na sua vitalidade e continuidade futura. Com os anos a passar, a crise ainda mais se agudizava e mostrava os seus efeitos. As filas de operárias e de operários começaram a diminuir e tudo em seu redor foi decaindo e anunciando o fim desta importante unidade conserveira. E, então, quando o abate das pescas começou a ser incentivado e recompensado, já o Algarve Exportador mostrava a sua ruína. 

Terreno apetecível para urbanização

Daí em diante, a decrepitude foi total. O seu movimento desapareceu e toda a vida à sua volta morreu. Ainda com alguma habitação, quem aí permaneceu foi para acompanhar como tudo em seu redor estava a definhar e a dar mostras da sua decrepitude. E quanto mais o tempo passava tanto mais, naquele espaço, a ruína se instalava. Apenas ficou o terreno apetecível para o mundo da construção, porventura, aí erguer uma urbanização. 

Foi o que veio a seguir, com os placards a anunciar a urbanização que para aí fora projectada e, pela Câmara Municipal, prontamente licenciada. Mas, por entre uma urbanização demasiado densificada, viam-se as duas chaminés que simbolizavam e anunciavam, para a posteridade, a fábrica conserveira que aí tivera lugar e que albergara, na sua laboração, sucessivas gerações que tinham espalhado e levado bem longe o nome de Lagos.   

Passaram anos com o placard a anunciar a urbanização. Nos últimos tempos começou-se a ouvir que a urbanização fora transacionada e mudara de mãos. Assim o indicavam as máquinas que aí se instalaram e começaram a revolver aqueles terrenos pantanosos. E, à medida que iam perfurando, iam derrubando o que tinham pela frente. A chaminé imponente, que aí se erguia no ar a anunciar o que fora o Algarve Exportador, foi derrubada sem deixar um vestígio qualquer. Até as cegonhas que, no seu cimo se refugiavam e aí nidificavam, deixaram de ter o seu poiso altaneiro e sobranceiro a todo aquele espaço aquático.

As consequências

As consequências do derrube da chaminé principal do Algarve Exportador são muitas e vão perdurar. Nem o tempo as conseguirá apagar. A primeira é a de, com este gesto, se derrubar um pedaço da nossa história e da memória recente da vida conserveira de Lagos. Este querer apagar o passado mutila o presente e empobrece também o nosso futuro.

Outra consequência é a de, com esta aprovação tácita ou explícita, a gestão dos nossos destinos colectivos sofrer um enorme abanão com a demolição. Quem nos representa terá de ter a sensibilidade suficiente para saber que, se não se preservar o passado, se está a empobrecer o presente e a hipotecar o futuro. E estas premissas devem estar bem presentes nos nossos representantes e nos técnicos que os assessoriam.

Enquanto a mentalidade do utilitarismo primário continuar a imperar, em vez de se respeitar e preservar o nosso passado, de se delinear uma estratégia para um crescimento harmónico e em obediência a todo o traçado do nosso urbanístico secular e em sintonia com a nossa geografia, vamo-nos submetendo à ganância da construção com a demolição de símbolos como este.

E, então, não é de admirar que os planos diretores visem mais a responder ao mundo da especulação, com terrenos selecionados, do que ao crescimento de uma cidade onde a harmonia com o seu passado seja um legado para as gerações vindouras. Mas, enquanto esta mentalidade imperar, vamos continuar a assistir a muitas demolições do nosso património edificado como acaba de acontecer no Algarve Exportador.

(Opinião, Guedes de Oliveira)

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