Altino Leal: o transmontano que ‘inventou’ um parque de campismo em Alvor
(Texto originalmente publicado no Portimão Jornal)
Altino Leal nasceu em Trás-os-Montes e fez ‘escala’ em Lisboa e na Suíça antes de se instalar em Alvor, onde resolveu criar um parque de campismo que, na altura, deu forte impulso ao turismo local.
O processo iniciou-se no ano a seguir à revolução do 25 de Abril, e o equipamento abriu portas em 1977. Atualmente, estende-se por cerca de cinco hectares e tem capacidade para acolher cerca de 90 ‘mobile homes’ – autênticas casas sobre rodas de 20 a 30 metros quadrados – bem como zonas para autocaravanas e para as tradicionais tendas.
Embora tenha dedicado algumas décadas da sua vida a desenvolver o empreendimento, aquele até nem era um sonho seu, mas do irmão, cujo entusiasmo acabou por o ‘arrastar’.
Mais tarde, acabariam por desfazer a parceria e Altino Leal assumiu por inteiro o projeto, cuja concretização se revelou extremamente difícil. O processo burocrático envolveu as entidades ligadas não só ao turismo, como à agricultura e às estradas, entre outras. Por fim, lá conseguiu uma licença precária por parte da Câmara e foi possível avançar com a vedação do terreno e a construção das infraestruturas necessárias.
Negócio de sucesso
Assim que abriu portas verificou que aquele era um negócio com pernas para andar. “Desde o princípio que tivemos muitos clientes, não só portugueses, mas também de outras nacionalidades, especialmente espanhóis e italianos”. Lembra-se de nesses tempos, numa altura em que o parque tinha dimensões bem mais reduzidas do que as atuais, “termos tido aqui mais de 1.300 pessoas”.
Nos primeiros anos ficava em Alvor apenas durante uns meses, arrancando, de seguida, para a Suíça, onde trabalhava como enfermeiro, deixando a gestão a cargo de um empregado. Mais tarde acabou por ser ele próprio a assumir integralmente as rédeas do negócio. Nessa fase, e “como forma de me integrar na comunidade, passei também a fazer trabalho de enfermeiro em Alvor em part-time”, uma experiência que durou pouco tempo.
Altino Leal lembra-se que, quando chegou, a freguesia era muito diferente do que é hoje, “em termos turísticos, havia a Torralta e pouco mais e quanto a restaurantes, existiam aí uns três ou quatro”. As infraestruturas eram muito deficientes, “praticamente não havia rede de esgotos, por exemplo” e a ‘febre’ das grandes superfícies ainda não tinha aparecido.
Isso permitia que o minimercado que instalou no interior do empreendimento se revelasse quase como que uma máquina de fazer dinheiro, tal era o volume de negócios. Nos anos de 1977 e 1978 era frequente “haver dias em que faturávamos 400 ou 500 contos, o que eram verbas bastante elevadas para a altura”.
Reforma e viagens
Mas, entretanto, os anos foram passando e, há cerca de uma década, Altino Leal achou que estava na altura de descansar um pouco. Como não conseguiu convencer os filhos a tomarem conta do negócio, acabou por alugá-lo. Contudo, embora fora do ‘ativo’, e como vive no interior do parque, continua a preocupar-se com ele e a percorrê-lo regularmente para verificar que trabalhos de reparação ou beneficiação é necessário fazer.
Natural de Trás-os-Montes, cedo rumou à capital do país em busca de melhores oportunidades de vida. Começou por trabalhar na construção civil, mas, em determinada altura, soube que ia abrir um curso para enfermeiros e o seu irmão incentivou-o a inscrever-se. Confessa que “até pensava que era uma profissão de mulheres, mas acabei por aceitar o desafio, apesar de não saber nada daquela área”.
Devido a um problema numa perna, ficou livre da tropa e após ser formado como enfermeiro começou a trabalhar no Hospital Júlio de Matos. Só que, entretanto, começaram a chegar-lhe rumores de que, como eram precisos mais soldados para África, ainda podia ter que cumprir o serviço militar e resolveu abalar, “meio clandestino”, para a Suíça para trabalhar num hospital de Lausanne.
Embora se tratasse de uma sociedade conservadora e muito diferente da portuguesa, conseguiu adaptar-se sem problemas de maior, até porque rapidamente aprendeu a língua francesa. Aí casou, teve filhos, mas continuou a manter uma forte ligação a Portugal. Envolveu-se num grupo que editava algumas publicações contra o Salazarismo e a guerra colonial e ainda teve contactos com uma pessoa que colaborava com Mário Soares e também com Palma Inácio, “que esteve lá a convidar-nos para entrar em atos revolucionários, mas não nos envolvemos nisso”.
Um grande susto
Uma das grandes paixões da vida de Altino Leal são as viagens, que acabaram por dar-lhe a conhecer o Algarve e o levaram a investir na vertente turística.
Sempre que há uma oportunidade, faz a mala e vai à descoberta do mundo. Antes de arrancar não costuma fazer grandes planos. Prefere ir à aventura do que em viagens devidamente programadas, o que lhe permite ter um contacto mais próximo e verdadeiro com as comunidades locais e ficar a conhecer a realidade que existe para lá dos roteiros turísticos.
Devido a essa atitude, apanhou um valente susto numa das viagens realizadas pelo continente sul-americano. Estava na Venezuela e queria dar um ‘saltinho’ à Colômbia. Aconselharam-no a não o fazer devido ao perigo de, pelo caminho, se deparar com um grupo das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e correr o risco de ser raptado.
Mas, como insistia em realizar a viagem, acabaram por indicar-lhe uma pessoa que fazia aquele percurso com frequência no seu carro, que funcionava como uma espécie de táxi. E “lá fomos por uma estrada montanhosa e quando chegámos à fronteira, como os funcionários o conheciam bem, nem sequer nos mandaram parar”.
Na povoação mais próxima tomou o autocarro em direção a Bogotá, mas “já de madrugada, a viatura pára no meio de uma floresta e aparecem uns indivíduos com metralhadoras nas mãos”. O seu primeiro pensamento é que tinha caído nas mãos dos guerrilheiros, mas “afinal eram polícias que queriam ver se havia armas ou explosivos no autocarro”.
Depois de duas ou três semanas na Colômbia seguiu para o Equador também numa viatura ‘informal’. Novamente, passou a fronteira sem que lhe pedissem documentos, foi à procura de uma pensão, sendo, então, abordado por um polícia que lhe pediu o passaporte. Depois de o folhear, perguntou-lhe como é que chegara ali se não tinha carimbos de entrada na Colômbia nem no Equador.
Em risco de ser preso, Altino Leal respondeu que pensava que havia um sistema parecido com o europeu, em que se pode passar de um país para o outro sem passaporte.
A solução que lhe arranjaram foi ter de voltar à Colômbia, pagar uma multa e voltar a entrar no Equador, agora de forma legal. Apesar deste susto, continuou a manter uma forte paixão pela América do Sul. A ponto de ter adquirido uma casa no Brasil, onde vive ao longo de uma parte do ano.
E mantém o mesmo hábito de viajar sem fazer grandes planos. É comum “chegar ao terminal do autocarro e meter-me no primeiro que aparece sem me preocupar para onde vai”. E, embora haja a ideia de que se trata de um país muito violento, nunca teve problemas de maior, tendo apenas uma vez sido roubado e ficado sem um fio de ouro.
(Texto originalmente publicado no Portimão Jornal)
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