Traições e demissões na Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lagos
Decorria, na Santa Casa da Misericórdia de Lagos, o mandato de 2012 a 2016. Era, então, Provedor o professor Eduardo Andrade. Aparentemente, a vida processava-se com a normalidade devida.
Com um saldo superior a um milhão e novecentos mil euros, a sua saúde financeira era folgada e tudo, no interior, parecia processar-se dentro do que é uma boa gestão mesmo tendo em conta os fins sociais desta instituição.
Mas as interferências políticas e sociais, sobretudo de algumas forças locais, começaram a perder lugar e, como consequência, algumas vozes de discordância se começaram a levantar.
E tudo começou a subir de tom à medida que as eleições se aproximavam e que essas vozes se organizavam. Com as eleições a ter lugar, essas forças começaram-se a movimentar.
Em redor da terceira idade se centrou muita da sua atividade. Começou-se por pagar muitas das suas quotas em atraso e, como compensação, esses irmãos participariam na próxima eleição. Como consequência, no dia do ato eleitoral um movimento de transporte se organizou com a orientação de que fosse votada a lista que era indicada.
Escusado será dizer que, assim, rapidamente o mandato de Eduardo Andrade chegou ao fim. A nova gestão, para satisfazer muitas das reivindicações que estavam no ar, começou a somar défices sucessivos; alguns dos quais défices estruturais que se farão sentir em quem possa vir a seguir.
Direção bicéfala
Para, a curto prazo, fazer face a esta situação financeira, a Câmara Municipal atribuiu um subsídio de quatrocentos mil euros para, eventualmente, poder-se vir a saldar uma dívida que a Misericórdia havia contraído junto do Montepio Geral.
Mas para além da situação financeira preocupante, as divisões no interior da Mesa da Misericórdia começaram-se a notar com os principais responsáveis a avaliar qual deles poderia ocupar, dentro da instituição, o primeiro lugar.
E nesta avaliação, Pedro Cruz, Vice-Provedor, com tempo, começou-se a distanciar ao ponto de instalar o seu gabinete no lar Filipe Fialho. O Provedor Fernando Graça da Costa, conhecido por Nani, continuou, como era tradição, com o seu gabinete de direção no lar Rainha D. Leonor.
Com uma direção bicéfala, os caminhos de gestão, dentro da Misericórdia de Lagos, estavam desencontrados e cada um governava a seu jeito esta instituição já com cinco séculos de história. Esta divisão, cada vez maior, começou-se a acentuar quando o Provedor, por razões de saúde e por escassos espaços de tempo, teve necessidade de se ausentar.
Pedro Cruz, o Vice-Provedor, através do seu gabinete afastado, lançou mão a uma lista que começou a fabricar para poder vir a ocupar o lugar de Provedor. E, assim, para trás ficava o Provedor com quem tinha trabalhado e com quem tinha sido eleito para, em conjunto, erguer um plano de gestão destinado a orientar e dirigir os destinos da instituição.
A carta e a mágoa do Provedor
Ao tomar conhecimento do que se estava a passar, o Provedor quis manifestar a sua indignação e dar a entender que foi um ato de traição o que o seu Vice-Provedor andara a fazer nas suas costas. E a sua indignação vai ao ponto de constatar que o seu estado de saúde tinha sido aproveitado para se dizer que não estaria em condições de continuar.
Numa carta extensa e que demonstra a sua indignação, acusa o Vice-Provedor de falsidade e de falta de lealdade para com a sua pessoa. Mas, para além das muitas acusações, aproveita também para elencar toda a obra que realizou e o vasto repertório de realizações que deixou.
Há quem diga que a mágoa, vincadamente sentida nesta carta de despedida, era mais do que previsível. A partir do momento em que permitiu a instalação do gabinete do seu Vice-Provedor no lar Filipe Fialho, a gestão bicéfala começou-se a acentuar e este desenlace era de se prever. Por isso, mais do que esta carta em que deixa transparecer um sentimento de traição, teria que haver, antes de mais, perspicácia e prevenção.
Se assim fosse, não haveria motivo para se lamentar e, muito menos, para recriminar. Mas tudo acontece porque, em vez de um projeto comum de gestão e de todos trabalharem para o bem da instituição, cada um pensa, primeiro, em derrotar o opositor para, depois, ascender ao lugar de Provedor. E o resultado está à vista de todos.
Há ainda a acrescentar que a nova lista, para se livrar do veneno que utilizou, procurou uma precaução; a de deixar tudo no seio da sua teia de relações de proximidade. No cimo, como Provedor, aparece Pedro Cruz. Em segundo lugar, como Vice-Provedora, uma senhora; nada menos do que a sua companheira habitual da Mesa Administrativa atual.
Uma metodologia que deixa tudo no interior de teias relacionais para que o futuro Provedor não possa morrer do veneno que deu a provar ao seu antecessor. Era de prever que, entretanto, aparecessem outras listas com poder de atração e que trouxessem novas ideias em benefício da instituição. Mas como o prazo já expirou, há a certeza de, em próximo mandato, Pedro Cruz poderá vir a ser o novo Provedor da Misericórdia de Lagos.
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