«Estações com Vida» dão origem a excesso de construção nos terrenos da estação de Lagos

Foi já há bastantes anos atrás que nos vieram vender o projeto das “Estações com Vida”.
Uma sessão muito preparada e algo engalanada com discursos pomposos, que teve lugar no Centro Cultural, quis-nos dar a conhecer que se estava a preparar, de norte a sul de Portugal, um programa para revitalizar as estações da CP. E a estação dos caminhos de ferro de Lagos também seria uma das felizes contempladas.
Nesta remodelação, o edifício da estação seria preservado e, no seu interior, nasceria um museu que teria a ver com a função que, ao longo de um século de vida, desempenhara e se ligara a tantos que passaram por si.
Nesta sua existência secular, muitas gerações a atravessaram e se familiarizaram com aquele espaço público de Lagos. Não era, por isso, muito fácil subtrair aquele edifício da afetividade da população da cidade e dos muitos turistas que passaram por si.
Terrenos sujeitos à especulação imobiliária
Por isso, a sessão, muito preparada, teve em conta estes aspetos sentimentais e a dimensão patrimonial do próprio edifício da estação. Também nasceria, na sua ala sul e do outro lado da linha, num edifício pré existente, um museu ferroviário que nos dava a conhecer algum material circulante deste primeiro século de história.
Perante o que se apresentava e sobretudo com a deslocação para sul de um novo edifício da estação, os amplos terrenos que a circundavam ficavam livres e sujeitos à especulação imobiliária.
E, por isso, perguntámos, na sessão, se aquele projeto das “Estações com Vida” não era uma forma de emoldurar todo um esquema de especulação imobiliária que se estaria a preparar para aquela zona da cidade.
Obviamente que as explicações tentaram dissipar quaisquer dúvidas e que o projeto apenas viria enriquecer e enobrecer aquele espaço da ferrovia. Mas mesmo com estas explicações, um dos membros da mesa, ao fim da sessão, quis-nos abordar e dizer que, em parte, a razão era capaz de morar connosco.
Intensificação da monocultura do turismo
Cerca de vinte anos depois, o que vemos! O antigo edifício da estação foi-se degradando e perdendo alguns dos seus símbolos como o do relógio emblemático. O museu ferroviário, que ainda chegou a abrir, foi fechado e votado ao abandono.
O que não foi abandonado foram os terrenos da antiga estação que, tendo a especulação imobiliária por pano de fundo, deram origem a edifícios que estão em construção quase em cima da via pública. Aí vão nascer duas unidades hoteleiras de cinco estrelas que vão intensificar, a par de outros mais, a monocultura do turismo em Lagos.
É evidente que a cidade não pode parar. Mas terá de pensar o seu crescimento de uma forma integrada e orientada de acordo com um plano da cidade que se quer. Não pode ser de uma forma casuística que vemos polos de construção mais aqui ou ali mais adiante. O mundo da construção também é vital para uma cidade se desenvolver.
Mas não pode ser a especulação imobiliária a ditar as suas leis. Que plano de cidade há para a margem direita da Ribeira de Bensafrim e, nomeadamente, para a zona da estação? Até se poderia pensar na zona de animação de Lagos a sul da Doca Pesca e da Sopromar. Mas para isso ter-se-ia de pensar num plano integrado e que tivesse a ver com a própria história da cidade e com a sua modernidade.
Outros exemplos no concelho
Mas vemos uma massificação de construção, quase em cima da via pública, sem se pensar nas suas próprias infraestruturas. É nos terrenos da estação e em muitos outros pontos da cidade.
E, pela Meia Praia adiante vê-se significativos polos de construção. E é caso para se perguntar se tudo vai continuar com as mesmas acessibilidades.
Também o saneamento básico estará preparado para fazer face a todo o crescimento que por aí está a acontecer e para o que ainda há de vir? Parece que não a avaliar pelo que se vê no terreno. Basta observar aquela construção que se está a consumar um pouco antes de chegar à rotunda de acesso ao Vila Galé.
Se, no presente, aquele edifício já não tem sentido, fica a hipotecar o que se pode vir a fazer num futuro próximo ou mais distante. Qualquer avenida ou qualquer via mais ampla e mais corrida fica hipotecada por um edifício como aquele. Já agora, aquele troço, todo encurvado, está a hipotecar todo o presente e todo o futuro daquela via. O mesmo acontece com a massificação da construção dos edifícios da antiga estação.
No que aos polos museológicos diz respeito, o do material circulante foi encerrado. O edifício da antiga estação parece que vai ser preservado. Mas longe de ser um polo museológico ou com outra atividade similar. O mais certo é o de funcionar como ponto de apoio de uma das unidades hoteleiras.
E, com este panorama por pano de fundo, as «Estações com Vida», que um dia nos vieram anunciar, não passam de um programa de especulação imobiliária que a CP decidiu incrementar. E a estação de Lagos é apenas mais um deste projeto. É o que se pode ver nos índices de construção dos terrenos da estação.