“Círculo de Fogo” apresentado em Messines
É apresentado este Domingo (20 de Março) “Círculo de Fogo”, o novo livro do poeta algarvio Manuel Neto dos Santos, que é enriquecido com aguarelas de Fernando Lobo.
A sessão tem lugar pelas 17 horas no Salão da Junta de Freguesia local.
Em antecipação, aqui lhe deixamos parte dos textos introdutórios da obra, escritos por António Patrício Pereira e Jorge Telles de Menezes.
PALAVRAS TÍMIDAS PARA UM HOMEM INTEIRO
por António Patrício Pereira
“Esta “coisa” de escrever sobre amigos ou a sua obra é, para mim, invariavelmente um “bico de obra”. Os amigos são amigos que mais posso eu dizer? Aceito-os como me chegam no acaso dos dias, sem tirar nem pôr; com os seus defeitos e virtudes. Assim de forma honesta e simples.
De quando em vez convida-me um amigo para lhe alinhavar umas quantas palavras para apresentar ou prefaciar uma obra sua… Lá vou alinhando umas quantas desculpas (meio esfarrapadas umas outras sentidas na pele que por vezes os dias bem que nos ferram o dente na carne), para justificar o não. E que não se julgue má vontade, não! O que se passa é que nunca sei o que dizer, ou como dizer…
Uma vez a negativa é aceite à segunda já sou eu que não tenho coragem para descartar o convite, por esse motivo aqui estou titubeante nas palavras a botar escrita sobre o meu amigo Manuel (Manuel Neto dos Santos) e a sua obra “Círculo de Fogo”. Conheço o Manuel há tempo suficiente para lhe saber a maneira e o ser, a vontade e a alma, a inquietação e a paixão. Pelas palavras tem este homem uma paixão imensa, pela cultura um respeito digno. Bastará cinco minutos de conversa sobre as letras e as artes com este algarvio para que os seus olhos brilhem de contentamento…
Da inquietação faz caminho, por onde leva como trovador dos nossos dias a poesia dos que merecem ser cantados (os seus queridos Ary dos Santos, Zeca Afonso, Florbela Espanca… daria uma longa lista a enumeração de tantos a quem o Manuel dá voz, corpo e alma). Representa-os em palcos reais e imaginados. Dá corpo e vida a uns e dá a sua voz a outros. Canta-os como poucos o fazem… com a verdade de quem sente um carinho sem fim pela palavra. Nesta vida de viagem constante vai ainda o Manuel dando forma à palavra… à sua palavra escrita, à sua lavra. Da escrita faz confissão dos dias, dos seus dias do seu tempo e sentir. Derrama memórias, canta as suas raízes culturais que um dia se estenderam até à península vindas do Norte de África… Guarda ainda na escrita o cheiro e a cor do Gharb al-Andalus. Terra que ama como poucos.
(…) Há uma vontade de transcendente nestes textos que tira ao leitor (ao contrário do que acontece na poesia do autor), a liberdade da forma… ou lê “de fio a pavio” cada pedaço de prosa ou perde um passo da vida interior do autor. Posso dizer, sem me enganar em muito, que Manuel Neto dos Santos nos desafia a olhar o Homem pelo seu interior… Pela sua inquietação, que tem sido caminho e mantimento de um respirar.
E com isto voltamos ao princípio (eu e os leitores que tiveram a paciência de me acompanhar nestas minhas pobres e desajeitadas palavras). O que ora tem o leitor em mãos é uma obra/retrato que lhe propõem a inquietação desta vida que não se esgota na carne que a veste. Ou seja, é esta a obra inquieta, viva de um homem inquieto e vivo… É esta a obra de uma vida. O retrato interior de um ser que É.”
«CÍRCULO DE FOGO», ENTRE A POESIA E A FILOSOFIA
por Jorge Telles de Menezes
“Círculo de Fogo, de Manuel Neto dos Santos é um livro que nos desvela espelhos da alma de um Poeta com uma aguda percepção da transitoriedade dos destinos humanos, incluído o seu próprio, um trânsito consciente, atento à materialidade do mundo e questionador da sua percepção pelos sentidos como única via para o conhecimento.
Neste livro Poesia e Filosofia encontram-se numa encruzilhada como velhos amigos abraçados no mesmo espanto inicial perante a vida: «Passo pelo mundo em fascínio; boquiaberto de espanto…» Não encontraria o Poeta melhor palavra do que a insubstancial Alma, seguramente presente em tantas das suas páginas, para personificar a viagem que todos fazemos pela vida: «Vem, minha alma trôpega e anciã…», e esta palavra tão rica de interioridade inexprimível condensa o que o Poeta nos quer comunicar, a sua inquietude e esperança, mas também a sua espontânea adesão à vida enquanto matéria de reflexão: «Adiro ao instante…».
Somos, assim, matéria inextinguível que assoma em sucessivas transfigurações, até um dia sermos talvez Nirvana. Platão e Buda perpassam por esta alma antiga levando-a, quem o sabe, um dia até à Perfeição. Respiramos neste livro também o ideal de uma sociedade humana perfeita, ou finalmente humanizada, um impulso utópico para uma «pátria que não existe, nem nunca existiu». Associado a esse utopismo, surge-nos igualmente um panteísta amor pela Natureza, como naquele «ciclo eterno…» que o Poeta anda a pôr em verso: «…pudesse eu ser como as flores e como os pássaros e todo o meu rumo se faria por dentro da alma». Animada, plena de alma, é a Natureza, o homem anela a ser seu igual, por isso escreve o Poeta de forma eruptiva, sapiente da matéria que o constitui, e da vida que o atravessa, e se exprime como um «lúcido olhar trespassando a escuridão, como se existir não fosse uma tragédia mas sim a recusa da morte».
(…) O Poeta interroga-se, contudo, filosoficamente, sobre quem é esse decifrador, quem é ele próprio, quem é o homem, afinal. No entendimento da sua mente poética, sintonizada com a evolução científica coeva, qualquer homem tem um tempo finito para reconfigurar a vida, apenas o tempo da sua existência, depois da morte todos os laços com a vida desaparecem, mas o poema sobreviverá como acendalha da própria vida, transcendendo assim a sua condição meramente objectal. O Poeta «caminha através da existência para a essência»… Nós diríamos que ele busca e encontra as essências que iluminam esta sua poesia na sua própria existência…”
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