“Toda a gente manda neste território, o poder da Câmara é muito diminuto”
Terceira parte da entrevista ao presidente da Câmara de Vila do Bispo, Adelino Soares, em que se fala dos projectos que há para o município, da estratégia promocional e do relacionamento nem sempre pacífico entre a autarquia e as outras entidades que decidem o que se pode e não pode fazer naquele concelho.
AM – Em termos de promoção do concelho, dá a ideia de que, nos últimos tempos, tem havido um maior investimento ao nível do desporto ligado ao mar. É assim?
AS – Ao nível da promoção, essa é a vertente que tem agora mais visibilidade por termos apoiado a Joana Schenker, o João Lourenço e outros atletas, muitos deles com reconhecimento nacional e a Joana até a nível internacional pois é bi-campeã europeia [de Bodyboard].
Mas, para além disso, há muita investigação que temos feito, com as universidades, com a Marinha portuguesa e isso hoje começa a ter maior visibilidade, mas é trabalho de vários anos. Para o ano, em princípio, em 24 de Abril, todos os vestígios sub-aquáticos ligados à I Guerra Mundial serão Património sub-aquático da Humanidade.
Outro projecto importante, ao nível da promoção, é o Birdwatch, no qual muita gente não acreditava e que, hoje em dia, é o maior evento de turismo da natureza no país. É um evento até reconhecido internacionalmente. Este ano tivemos participantes de 29 nacionalidades diferentes, de todos os continentes do mundo. É um projecto com consistência, que traz, na época baixa, muita gente a visitar o nosso concelho e a prova disso é que nos dias em que decorreu o festival, houve uma melhoria significativa, em termos de facturação e ocupação, nas empresas ligadas ao alojamento e restauração.
É através desses pequenos projectos que queremos fazer um grande projecto, que é a promoção turística deste concelho.
AM – Nesta zona vê-se sempre muitos estrangeiros. Trata-se de pessoas que apenas o visitam e vão embora ou há também muitos a instalarem-se no concelho?
AS – Durante muito tempo, isto era um sítio de passagem. As pessoas vinham, visitavam o Cabo de S. Vicente e a Fortaleza e iam-se embora. Hoje já não é assim devido ao turismo de natureza. Isto é um sítio fabuloso para caminhadas, para observação de cetáceos, para observação de aves, para passeios de natureza e tudo isto se pode fazer na época baixa turística. Há mais gente a ficar cá mais tempo e a prova disso é que grande parte do nosso alojamento está ocupado a 90%, o que não acontecia há alguns anos atrás.
AM – De que países são os turistas que mais visitam Vila do Bispo?
AS – Continuam a ser os espanhóis, mais para a zona de Sagres; os ingleses, para a Salema e Burgau; mas também temos muitos holandeses e alemães.
AM – A promoção do Algarve tem sido bem feita? Por exemplo, nesta altura, há um programa cultural, o Algarve 365, que o poder central diz que é para atrair turistas, mas que parece ser muito mais para entreter os que já cá estão. Concorda com este tipo de iniciativas?
AS – Em relação a esse programa, na perspectiva de que devemos trabalhar para ter turistas no Algarve o ano inteiro, só posso concordar com ele.
Agora, cada um de nós tem de potencializar aquilo que tem de melhor. Em Vila do Bispo temos a vantagem, que é esta zona de parque natural, este enquadramento, temos é que saber explorá-lo e utilizá-lo em benefício da comunidade, do ponto de vista ambiental, mas também económico e financeiro.
De nada serve termos muito potencial se não soubermos rentabilizá-lo. É isso que temos andado a fazer, fomos, por exemplo, à maior feira náutica do mundo – e para o ano, vamos outra vez – que se realiza em Dusseldorf. É pena sermos o único município, se calhar do país, a estar presente neste grande certame. E o que tentamos fazer, neste como noutros eventos, é, juntamente com os empresários, ‘vender’ o concelho na época baixa, para, dessa forma, combater a sazonalidade turística.
AM – Nessa e noutras feiras e iniciativas não deveria haver uma maior ligação entre os autarcas e a Região de Turismo para promover de forma integrada e coerente a região, independentemente de cada concelho tentar fazer valer as suas características específicas? Continua a haver um divórcio entre os diversos agentes algarvios, ao nível da promoção?
AS – Não vejo isso dessa forma. E tanto assim que nós utilizamos o pavilhão do Algarve na Bolsa de Turismo de Lisboa. Se o Turismo do Algarve entender estar noutro certame, o município de Vila do Bispo também estará presente. Não quer isto dizer que não possamos ter a nossa estratégia própria.
Obras no Forte do Beliche
AM – Nos últimos tempos, o poder central tem tratado melhor o património importante que existe no concelho, como a Fortaleza de Sagres, o Forte do Beliche, entre muitos outros?
AS – Sim. Houve um importante investimento no Cabo de S. Vicente que, neste momento, está aberto ao público. Actualmente, estão a decorrer obras na Fortaleza de Sagres e a própria Direcção Regional de Cultura também recuperou a Ermida de Guadalupe.
No caso da Fortaleza, não há muito benefício directo para os cidadãos do concelho, uma vez que todas as receitas revertem para o Estado português, não deixa de ser investimento feito no património edificado local, o que é positivo. Houve reconhecimento da Fortaleza de Sagres como Património Europeu e isso é bom, do ponto de vista da promoção local.
A Câmara está a investir no Forte do Beliche, acreditamos que vai ser um espaço muito visitado. Neste momento, já temos todas as obras exteriores feitas, estamos a recuperar todo o seu interior para que o possamos abrir ao público em 2017.
AM – Ao longo dos anos, sempre existiram conflitos, mais ou menos visíveis, da Câmara com o Parque Natural da Costa Vicentina. Nesta altura, isso continua a verificar-se?
AS – Eu nunca me queixei do Parque Natural, nunca o utilizei para justificar aquilo que não se faz, embora exista, do ponto de vista daquilo que são os planos de ordenamento, algum extremismo, algumas coisas que são completamente incorrectas, mas tento trabalhar em conjunto com este e outros organismos.
Não há dúvida que este é um concelho muito especial, onde para se fazer o que quer que se seja obriga a uma série de pareceres, são muitas entidades que supervisionam este território, entidades que têm pareceres vinculativos, o poder da Câmara é muito diminuto e a prova disso é que se tem feito tão pouco em termos de investimento.
As coisas alteram-se sensibilizando, reunindo com as pessoas, não é falando mal delas, é sim fazendo valer aquilo que é importante para o território.
AM – Mas não há litígios entre as duas entidades e outras que têm poder sobre o território?
AS – Há litígios. Há uma questão que nos preocupa que é o extremismo que existe relativamente à interpretação do que é o território da REN (Reserva Ecológica Nacional), da parte de quem geria a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR), mas é uma questão que está a ser resolvida, não quero utilizar isso publicamente para o que quer que seja, quero apenas resolver aquilo que estiver incorrecto.
Ninguém aqui quer construir por todo o lado, fazer grande prédios, o que queremos é que as pessoas posam viver com as condições mínimas, que se possa fazer o investimento que é necessário nas praias, em todo o território e, muitas vezes, os planos e entendimentos que existem não o permitem.
AM – Por causa dessas restrições, é quase impossível montar um negócio no concelho, desde que não esteja directamente ligado à natureza…
AS – Sim, toda a gente manda neste território. Às vezes conseguimos ‘passar’ 5 ou 6 entidades, mas aparece uma outra a dizer que não ao investimento ou projecto e lá volta tudo à estaca zero. Gerir assim não é fácil, mas são os planos e regras que existiam quando concorri a este cargo e, por isso, não me posso queixar deles.
AM – Referiu há pouco que tem vindo a fazer promoção no sentido de trazer mais turistas para o concelho. Se tiver sucesso e vierem os turistas que deseja, há, depois, capacidade de alojamento para eles?
AS – Há capacidade porque fazemos a promoção para a época baixa, a fizéssemos para o Verão não seria a melhor estratégia. Hoje em dia, também já quase ninguém vem de férias sem ter as coisas devidamente agendadas e marcadas, as coisas estão mais organizadas, a esse nível, e não deverá haver o problema das pessoas virem no Verão sem a certeza de terem alojamento.
Período de defeso da apanha do percebe vai ser mais curto
AM – Outra área em que o município é conhecido e famoso é pelo marisco, em especial, o percebe. Este ano, houve um maior investimento na criação de condições para a realização do Festival do Percebe. Isso teve retorno, em termos de visitantes?
AS – O Festival correu muito bem, foi, se calhar, a edição em que tivemos mais gente. Conseguimos ao longo dos anos promover um produto que é muito tradicional e assumimo-nos como a Capital do Percebe.
É uma actividade que ocorre durante o ano inteiro, com excepção do defeso e mesmo esse período, deverá ser revisto, a curto prazo, pois não faz sentido as coisas manterem-se como estão. Está provado cientificamente que o período de desova é em Maio e não faz sentido fazer o período de defeso tão extenso. Isso é prejudicial para quem vive apenas desta actividade.
O Festival permite promover, durante um fim-de-semana, um produto que se consome ao longo do ano inteiro, criar novos consumidores e dignificar uma actividade muito tradicional e que gera benefícios económicos para muitas famílias.
AM – Essa actividade ainda movimenta muita gente, em Vila do Bispo?
AS – Sim, são várias famílias que vivem exclusivamente da apanha. Por isso e pela preservação de uma actividade tão tradicional e que faz parte da cultura de vila do Bispo é que devemos apoiar a actividade. E é o que temos feito. Por exemplo, apoiámos a Associação de Marisqueiros, através da disponibilização de um espaço para a sede, apoiámo-la numa candidatura a fundos comunitários, que lhes permite, por exemplo, ter cada um deles um gps para poderem exercer a actividade com maior segurança. Temos a questão da certificação que está a ser desenvolvido e também queremos fazer a rotulagem do marisco como produto típico da zona e tudo isto são questões que permitem não só promover, mas também valorizar o percebe.
Algarve Marafado (AM) – Quais são os grandes projectos que gostaria de deixar concluídos?
Adelino Soares (AS) – Já posso orgulhar-me de ter resolvido muitos problemas que existiam neste território.
Os prémios Município do Ano e de 2º Município do país que melhor comunica com a população indicam que se mudou o paradigma, acho que é consensual que hoje o município está num outro patamar.
Resolvemos a questão da energia eléctrica e a do saneamento, que era um problema antigo. Seria também muito importante para nós resolver os problemas da água que ainda persistem. Fizemos o arranjos da Mareta, da Ingrina, entre muitas outras.
Outra vertente importante do nosso trabalho é a redução da dívida, o que tem vindo a ser conseguido.
Mas, essencialmente, o que deixamos para o futuro é uma imagem muito positiva de Vila do Bispo que não só se destaca a nível regional, mas que também consegue ter algum reconhecimento, a nível nacional, o que não é fácil.
(Entrevista: Guedes de Oliveira/Jorge Eusébio)
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