Estela de Bensafrim revela o mais antigo registo do positivismo natural do direito no Algarve
A escrita do povo Konii
Muito se tem escrito e investigado sobre os sinais epigráficos deixados por este povo. Os Konii, Cónios ou Cinetes como eram conhecidos, foram um povo pré-romano que habitou todo o sul de Portugal e grande parte do sul de Espanha desde o séc: VIII ac.
Pouco se sabe sobre os seus hábitos de vida e costumes, podemos acalentar que o seu modo de vida pouco seria diferente, dos outros povos primitivos. Uma coisa sabemos, o povo konni desenvolveu uma forma de escrita, conhecida como a escrita do sudoeste o que os distingue de outros povos peninsulares por esta ser diferente.
A teoria mais comum sobre a escrita do sudoeste tem a seguinte interpretação:
“A escrita do sudoeste, também conhecida como tartéssica ou sud-lusitana, é uma escrita paleo hispânicas muito similar à escrita ibérica suroriental, mas esta expressa língua ibérica e a escrita do sudeste expresa língua tartéssica. Como a maior parte das outras escritas paleo hispânicas, à excepção do alfabeto greco-ibérico, esta escrita presenta signos que representam consoantes e vogais, como os alfabetos, e signos que representam sílabas, como os silabários. A sua utilização é conhecida entre os séculos VII e V a.C. no sudoeste da Península ibérica (Baixo Alentejo, Algarve, Andalucía ocidental e o sul d’Extremadura). Os seus textos apresentam-se quase sempre da direita para esquerda sobre estelas.”
Veremos à frente como existem outras teorias como a de Carlos Castelo.
A estela de Bensafrim
Analisemos o artigo do epigrafista Carlos Alberto Basílio Castelo, que desde os seus catorze anos se dedica ao estudo das escritas canaanita aramaica, egípcia, fenícia, hebraica, grega, rúnica, etrusca e peninsulares hispânicas. Colaborou numa equipe de investigação Gallaico-Castellano, com sede em Madrid, com o objectivo de efectuar um levantamento arqueológico e histórico dos povos ibéricos, desde a época Pré e Proto–histórica, assim como inscrições epigráficas de essas épocas remotas de onde deriva a língua e escrita dos povos peninsulares. É autor da transliteração do Monumento Tumular da Idade do Ferro em Bensafrim.
Foi reconhecido cientificamente pela Universidade Autónoma de Barcelona, com o trabalho de transliteração do Heroun (estela) de Bethy Filha de Korde do Povo Konii que habitaram em, Ourique – Alentejo – Algarve. Colocando assim, Carlos Castelo a par ao de Don Manuel Goméz Moreno, autor da Obra de “ La Escritura Básculo Turdetano” que foi considerado pelos ingleses em 1923, como sendo o maior epigrafista da Península Ibérica.
Carlos Castelo defende que a origem da escrita nasceu no sudoeste peninsular, tratando-se de uma escrita e língua nativa, que não provém de outras línguas, defende ainda que a origem não deriva do indo-europeu, mas sim que o indo-europeu deriva directamente da escrita nativa conhecida como a escrita do sudoeste ou escrita dos Konii.
“O estudo da sequência evolutiva da epigrafia destas estelas dará a conhecer que a escrita (e a língua) peninsular possui raiz nativa, e não provêm de outras línguas. E esta nova acepção da paternidade da escrita conduz-nos directamente à desmontagem desse mito que atribui ao indo-europeu a procedência sobre a nossa língua. A suspeita, agora, é a de que a língua ancestral da Ibéria poderá ter estado na formação da(s) primeira(s) línguas indo-europeias.” (1)
Um dos vários povos primitivos, que habitaram o Algarve, o povo Konii foi sem dúvida o que deixou um dos maiores legados à humanidade, a escrita. Essa escrita é representada por inúmeras estelas que têm sido encontradas um pouco por todo o sul da Península ibérica. A estela de Bensafrim foi descoberta nos finais do Séc: XIX (1878) por Estácio da Veiga (2) numa das maiores necrópoles da idade do ferro, a necrópole de Fonte Velha de Bensafrim no concelho de Lagos. Esta estela é das mais estudadas por possuir gravados 75 sinais.
Esta estela sepulcral faz parte do espólio arqueológico do Museu Municipal Dr. Santos Rocha da Figueira da Foz. Esteve partida em três partes, mas actualmente, encontra-se restaurada, arqueólogos apontam a idade da necrópole para o séc.: VI AC. Toda a área mais a ocidente do Algarve, possui imensos exemplares de menires de forma cónica, só no Concelho de Vila do Bispo estão assinalados mais de trezentos. A grande maioria destes menires possui motivos e decorações as quais se atribuem ao povo Konii. Alguns estão epigrafados isoladamente com sinais da escrita do sudoeste. Curiosamente Carlos Castelo, atribui ao nome do povo Konii, como “os fazedores de Konos” representação fálica dos menires.
A transliteração dos sinais epigráficos na estela para o Português por Carlos Castelo é a seguinte:
LAMENTAMOS BEM ESTE NOBRE HERDEIRO
RABEDD, NESTE LUGAR. LAMENTAMOS NA VERDADE,
UM HEROI. AQUI, NÓS O CELEBRAMOS.
ELE DOOU A NÓS TODOS OS SEUS
BENS AGRÍCOLAS. E EI-LO AQUI.
Segundo a tradução efectuada da escrita do sudoeste para o Português, podemos constatar que se trata de uma inscrição jurídica com pelo menos 400 anos AC e que o povo Konii não era um povo ágrafo.
Rabedd lega todos os seus bens ao seu povo à sua comunidade sob a forma de testamento. Quem seria este herói? Estamos certamente perante um homem importante junto do seu clã, poderia ter sido um chefe guerreiro ou um xamã. As bases do direito primitivo advêm da família e da religião, podemos estar presentes sobre duas destas situações.
Esta doação sob a forma de testamento escrito, talvez seja o mais antigo registo do positivismo natural do direito, que conhecemos no Algarve.
Coloca-nos ainda a interrogação se esta doação constitui um precedente ou não. Esta inscrição para além dos aspectos jurídicos, constitui ainda matéria de análise dos aspectos económico-social deste povo.
(1) http://www.fcastelo.net/cemal/konii.html
(2) Sebastião Phillipes Martins Estácio da Veiga, arqueólogo e escritor Algarvio, nasceu na cidade de Tavira em 6 de Maio de 1828. Estudou no Liceu de Faro, frequentou a Escola Politécnica de Lisboa, e seguio a carreira de oficial de secretaria da Sub-inspecção Geral dos Correios e Postas do Reino.
Do mesmo autor:
Súmula histórica do dialecto algarvio
A língua é nossa e é única, não a podemos perder
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