O diabo está nos detalhes
Não é fácil a vida de quem tem de gerir uma câmara praticamente falida, como é o caso da de Portimão. Sem dinheiro no cofre e no banco, só há duas hipóteses: ou não mexe em nada e deixa tudo como está ou arranja quem faça o trabalho que devia ser o seu.
No caso do Plano de Pormenor da Praia de Alvor e Praia dos Três Irmãos entregou a tarefa ao grupo Pestana. Não é a situação ideal, mas entre deixar tudo como está e correr alguns riscos para resolver problemas que se arrastam há décadas, percebe-se a opção.
Também não discordo dos objectivos essenciais do plano. É difícil não concordar com mais parques de estacionamento, sobretudo se forem à borla, melhores espaços verdes e melhores acessos. No essencial, tudo bem. O problema é que, como se costuma dizer, o diabo está nos detalhes. E os detalhes têm o raio da mania de passarem despercebidos até ser demasiado tarde.
Foi o caso, por exemplo, da destruição da rotunda da praia de Alvor, integrada no Plano de Intervenção na Frente de Mar de Alvor. Este plano existe há anos, sobre ele foram feitas não sei quantas reportagens e não me lembro de em alguma delas se ter falado deste ‘detalhe’. Inclusivamente, já depois da destruição fui à procura na net e encontrei documentação oficial sobre o plano e não vi lá nada sobre a rotunda.
Foi um ‘detalhe’ pelo qual só se deu quando já não havia nada a fazer. E, objectivamente, quem ganhou com a destruição da rotunda foi o grupo Pestana. Como bem referiu Pedro Lopes, a parte do estacionamento automóvel na zona, no Verão, é um caos. Sobretudo naquela zona, o que não seria muito agradável para os clientes do seu novo hotel. Correndo com os carros de lá, já não há esse problema. Ao mesmo tempo, ganha com a instalação, mesmo ao lado, num espaço estratégico, de um restaurante. Provavelmente, sem concorrência, pois duvido que os vendedores ambulantes que lá iam ganhar uns cobres, possam voltar ao local.
Fechar, limitar e dificultar o acesso a zonas balneares ‘nobres’
A estratégia de ‘empurrar’ o cidadão comum para longe das zonas balneares ‘nobres’, muito apetecíveis a turistas de ‘qualidade’ não é nova. Formalmente, não é possível fazer praias privadas em Portugal, mas há formas de contornar isso. Uma delas é a concessão de partes do areal, para as quais só pode ir quem pagar. Outra técnica é ir fechando, limitando e dificultando o acesso a essas zonas para que os pés descalços desistam e passem a ir apanhar sol para outros areais mais adequados à sua condição social.
Um dos exemplos flagrantes, já que estamos a falar do concelho de Portimão, é a marina. Num privilegiado espaço público, foi construída uma marina privada, espaços comerciais privados, uma praia semi-privada, imobiliário e hotéis privados.
E a cereja no topo do bolo foi a descoberta, depois de tudo feito, que até a estrada e o estacionamento na zona envolvente passaram a ser privados. Um ‘detalhe’ pelo qual só se deu quando a empresa espetou uma cancela no acesso. De forma que, sobretudo em Agosto, quem quer ir para a zona da marina o melhor que tem a fazer é, se calhar, deixar o carro em Portimão e fazer o percurso a pé, pois no raio de um ou dois quilómetros da linha de água vai ser quase impossível conseguir um lugar para estacionar o veículo.
A culpa destas e de outras situações não é dos empresários aos quais mais não se exige do que defenderem os seus interesses e das suas empresas. A culpa é dos políticos que, esses sim, é suposto defenderem o interesse público.
Os de Portimão, com o estourar do ‘detalhe’ da rotunda, deixaram de ter desculpas para não ficarem, a partir de agora, particularmente atentos ao que se vai passar com o Plano de Pormenor da Praia de Alvor e Praia dos Três Irmãos. Vai ser chato, mas vão ter que ler todos e mais alguns dos documentos que sobre o assunto vão ser elaborados, para descobrirem os ‘detalhes’ que neles vão ser enterrados.
Se, para lerem as letras pequeninas, precisarem de uma lupa, digam alguma coisa pois sou moço capaz de a arranjar.
(Opinião, Jorge Eusébio)
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