Cultura

O dia em que a rádio inundou

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Segunda parte da conversa com Paulo Jorge Correia, autor do livro «A Rádio que ouviu Portimão», que regista as memórias de muitos colaboradores da Rádio Portimão que, entre 1985 e 1988, foi um grande fenómeno de popularidade. O livro vai ser apresentado na Casa Inglesa, em Portimão, na próxima Terça-feira, 13 de Fevereiro, pelas 11 horas.

Leia AQUI a 1ª parte da conversa

Algarve Marafado – Quanto tempo dedicaste a este projecto?

Paulo Jorge Correia (PJC) – Foram cerca de 7 meses. As pessoas têm as suas vidas, por uma razão ou outra tornava-se difícil falarmos e o tempo ia passando. Não foi fácil, mas depois de já ter recolhido alguns depoimentos e de ter garantido apoios, eu tinha vergonha de recuar e estava decidido a ir até ao fim. Para além do tempo que levei nesses contactos há, ainda, o que dediquei à parte gráfica, a ouvir as cassetes e a passar o som para digital.

M – Essa parte não deve ter sido fácil.

PJC – Ouvi as cassetes num rádio antigo que já não tinha grande qualidade e, depois, um dos patrocinadores, a empresa Espiridião, fez a passagem para o digital.

AM – Quem fez rádio nesses tempos, tem sempre muitas histórias para contar. Quais são as primeiras que te vêm à memória?

PJC – São tantas as histórias… Eu tinha 20 anos, acabara de sair da Escola Poeta Aleixo, vinha da área do jornalismo, mas não fazia ideia do que era essa actividade na prática, foi na rádio que aprendi a fazer alguma coisa.

AM – Sei que houve uma altura em que choveu tanto que o estúdio ficou inundado…

PJC – Esse é um episódio inesquecível. Choveu tanto que o estúdio inundou e andamos quase com água pelo pescoço a carregar material às costas para um apartamento até às tantas da madrugada. Nessa altura, isso marcou-me um bocado.

AM – Também acontecia vocês dizerem ao microfone que estavam com fome e aparecer uma série de gente a levar-vos comida?

PJC – É verdade. Em determinada altura, a pessoa que devia fazer o programa a seguir ao Emanuel Valente não apareceu, ele teve que continuar em estúdio e como estava com fome, disse que tinha umas garrafas ou bilhetes, já não me lembro bem, que oferecia a quem lhe levasse ovos com chouriço e apareceram, imediatamente, várias pessoas, algumas até com a frigideira em punho com os ovos e chouriço lá dentro. Noutra vez, o Jorge Bife apeteceu-lhe marisco e a Carvi foi lá oferecer-lhe. Eram outros tempos.

Lembro-me de fazermos uma emissão na inauguração de uma loja e de ter aparecido tanta gente que a PSP teve de ir fechar as ruas ao trânsito. Noutra altura, fizemos um directo, também com montes de gente a assistir, a partir da lota de Alvor, o Carlos Pacheco convenceu-me a deixar falar o Raul de Alvor, que, depois, já não queria largar o microfone.

AM – Estiveste quantos anos na rádio?

PJC – Estive quase do princípio ao fim. A rádio começou em 1985, eu entrei em Fevereiro ou Março de 1986 e fiquei até ao fim, aliás, fui eu que desliguei os emissores em 1988, quando as rádios foram obrigadas a fechar para se avançar com o processo de legalização.

AM – Apesar de ter grande impacto, a Rádio Portimão acabou por não ser legalizada. Há quem diga que foram razões políticas que ditaram esse desfecho. Também és dessa opinião?

PJC – Acho que sim. Naquela altura estava o PSD no Governo e havia várias pessoas ligadas ao PS com responsabilidades na rádio, o que deve ter contribuído para que não tenha sido legalizada.

AM – Que comparação fazes entre as rádios locais da altura e as de hoje?

PJC – Não têm nada a ver. Actualmente, a rádio é muito impessoal, muito informatizada. A rádio devia ser uma porta aberta e estar mais na rua.

Há um contra-senso: hoje temos tecnologia para ir para a rua, com um simples telemóvel faz-se uma transmissão a partir de qualquer lado e antigamente não.

Nós, na altura, tínhamos um sistema inventado pelo José Matos, em que abríamos a caixa de um telefone fixo e ligávamos, através de duas molas, uma espécie de telefone/microfone com um fio grande que nos dava a possibilidade de nos movimentarmos num raio aí de uns 20 metros para fazermos a reportagem em directo.

Era uma grande limitação, que já não existe hoje, pelo que não se compreende como é que a rádio não está mais na rua, uma vez que o seu papel deve ser de proximidade com as populações. Hoje, a tecnologia permite que uma pessoa sozinha mantenha uma rádio em funcionamento. Programa a música e a publicidade e vai para casa, o que torna tudo muito impessoal.

AM – Se a Rádio Portimão da altura tivesse sido legalizada, achas que hoje manteria a dinâmica de então?

PJC – É muito difícil de dizer isso, até porque as circunstâncias mudaram. O que manteve a comunicação social naquela época foi o comércio local, que não tinha a concorrência das grandes superfícies e investia.

Por exemplo, a Rádio Portimão facturava 3 mil contos por mês, o que era muito dinheiro. E como era uma entidade sem fins lucrativas, depois de pagar as suas despesas distribuía o que sobrava por instituições de solidariedade.

Hoje em dia, o comércio local já não tem capacidade de investimento e as empresas regionais de alguma dimensão quase todas desapareceram, o que torna muito complicado a sobrevivência financeira da comunicação social regional e local.

1ª parte da conversa com Paulo Jorge Correia disponível AQUI

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